Seguindo nossa cruzada de proporcionar conteúdo inspirador para todo o ecossistema de canais de vendas e distribuição, o convidado de nosso VIP Line de hoje foi o empreendedor Laércio Cosentino, fundador e CEO da TOTVS, uma multinacional brasileira que está presente em 41 países, inclusive com um centro de inovação no Vale do Silício. Laércio nos recebeu para um one-to-one em sua nova sede em São Paulo e pudemos falar sobre os desafios de manter uma empresa fundada em 1983 com a energia de inovação de um startup, bem como sobre novas iniciativas baseadas em cognitividade como a Carol, a plataforma de dados de inteligência artificial da TOVS lançada em junho deste ano que promete revolucionar o varejo.
Pedro Luiz Roccato: você poderia compartilhar conosco sua trajetória como empreendedor, desde a fundação da empresa, com as mudanças que presenciamos no cenário de tecnologia, seguindo até o momento de hoje, de transformação digital, cognitivo e outras frentes abertas pela TOTVS?
Laércio Cosentino: bom, vamos voltar 30 anos atrás. Tivemos um momento disruptivo no mundo, que foi a chegada dos primeiros PCs (computadores pessoais), da microinformática, que realmente causou uma grande evolução no mundo, na maneira de você administrar as empresas, da maneira de você executar processos. O movimento auxiliou muito as empresas, no ganho de produtividade, no ganho de valorização das informações e, com certeza, de ter tomadas de decisões muito mais assertivas. Quando você olha isso lá atrás, a microinformática realmente viabilizou tudo isso. Mas foram 30 anos onde a indústria de tecnologia, basicamente, teve seu desenvolvimento e ela auxiliou as empresas, com a evolução gradual da conexão de pessoas. E quando a gente olha nos últimos dez anos para população, desde o segmento do primeiro iPhone, a conexão e a velocidade de conexão, todas as pessoas ao redor do mundo fizeram com que a gente atingisse novamente um momento de uma grande disrupção, que possibilitou a transformação digital.
Roccato: ótimo. Vamos falar um pouco mais sobre este importante tema, a transformação digital.
Laércio: essa transformação digital não só interferiu em alguns segmentos, em algumas atividades, mas no mundo como um todo. Então o conceito de você ter as startups ganhou mais relevância. E, cada vez mais, você tentar reinventar aquilo que você sempre fez. Neste cenário, eu vejo o setor de TI como aquele que propiciou toda essa evolução do mundo, e agora está passando por uma transformação digital. Eu diria que talvez é agora estejamos no segundo momento, talvez o primeiro momento depois do lançamento da microinformática, que o próprio setor de TI tem dito: “eu tenho que revalidar o meu modelo de negócio.” Então foram 30 anos no setor de software, em especial, vendendo licenças, cobrando contratos de manutenção e prestando serviços. E o modelo de negócio era esse, quanto mais licença vendíamos mais manutenção eu tinha, mais aumentava o volume de serviços, e quanto mais serviços eu fazia, mais eu informatizava… mais licenças e assim sucessivamente. Nós chamamos isso de “círculo virtuoso de software”.
Roccato: perfeito. Quais os reflexos dos movimentos por você compartilhados em nosso cenário de mercado atual?
Laércio: hoje, quando você fala de subscrição, de você comercializar um software através de uma assinatura, muda completamente. Por que? Porque você, na realidade, tem um software, disponibiliza um software, alguém começa a usar e paga uma assinatura. E se realmente não funcionou ou não foi adequado, para de assinar, para de pagar e vai para outro. E o mundo também mudou. Quer dizer, o PC (personal computer) necessariamente fazia tudo, tudo dentro da casa de cada cliente, e agora faz tudo na nuvem. E aí mudou, também, a maneira de você entregar software, entregar a TI ao redor do mundo. Se a gente olhar a história da TI, que a gente pode contar do PC até o momento atual, foi o primeiro momento que realmente mudou. E é uma mudança que veio pra ficar. Ela impôs às empresas de TI a necessidade de mudarem, que nós chamamos de jornada de transformação digital.
Roccato: e como é que você vê a resposta, o impacto, não só da indústria, quanto em seus desdobramentos, o impacto em canais de venda e distribuição? Como que os canais, na sua leitura, têm respondido a transformação digital? A transformação acontece como um todo, no modelo de negócios, na concepção da oferta, e também na maneira de ofertar tecnologia. Não só no modelo comercial quanto na própria questão de não focar não só na área de TI, mas também nas áreas de negócios. Como é que você vê essa transformação nos canais indiretos de vendas?
Laércio: a partir do momento que você tem uma assinatura, uma subscrição, a forma de vender e entregar também mudam. Nós estamos assistindo um grande número de apps (aplicativos), literalmente todo dia tem um novo app. Esses apps estão rodando em nuvem. Quer dizer, o cliente simplesmente chega lá, realiza a compra na loja virtual e essa loja virtual está diretamente no teu smartphone, no teu tablet, no teu computador e assim por diante. Isso muda um pouquinho o perfil do canal de distribuição. Então o modelo mudou para o canal que antigamente buscava fazer a geração de leads, realizava a venda e entregava um licenciamento de software, cobrando o contrato de manutenção e prestando serviços de implementação daquela solução. Hoje em dia ele tem que trabalhar muito mais para agregar valor para o cliente. Considerando a evolução do canal de distribuição, quando falamos da indústria de software, temos incentivado que todos os canais da TOTVS se movimentem no sentido de, mais do que vender e trazer o cliente pra TOTVS, que gerem valor para o cliente.
Roccato: você quer dizer que o canal deve se especializar em uma ou mais verticais de indústria, por exemplo?
Laércio: isso quer dizer que você tem que gerar um valor em tudo aquilo que você está fazendo. A TOTVS começou a fazer isso há dez anos atrás, quando decidimos segmentar a companhia, quer dizer, hoje nós temos soluções para dez segmentos, como para o varejo, soluções para manufatura, logística, saúde, educação, serviços, construção de projetos e assim por diante. Nós percebemos que a indústria de software já estava mudando e que a gente precisava começar a ter uma grande especialização, quer dizer, não é só a oferta de software e sim o valor agregado ao redor daquilo que você tá entregando. Então, entendemos que o canal de distribuição de software, hoje em dia, tem que fazer mais do que você vender para o cliente e entregar um licenciamento, pois licenciamento será fornecido em forma de subscrição e, às vezes, com renovações automáticas e assim por diante. Você tem que vender um serviço de qualidade que vai fazer com que mais e mais clientes utilizem as suas soluções que cada uma das verticais têm. Além disso, temos que considerar que geralmente a indústria de software fazia soluções no modelo de B2B (business to business), ou seja, fazíamos solução para um hospital, para uma universidade, uma loja ou ainda uma empresas de manufatura. E agora percebemos que nós temos que fazer soluções para o cliente do meu cliente.
Roccato: você quer dizer no modelo B2B2C (business to business to consumer)?
Laércio: sim. Então, eu tenho que, realmente, entregar uma solução para uma universidade, mas eu tenho que endereçar ao aluno. Temos que resolver o problema dele. Então, o canal de distribuição, nos dias de hoje, que não resolver o problema do cliente em si terá cada vez mais dificuldades. Quer dizer, então, que o canal tem que perceber que ele está vendendo uma solução da TOTVS para o cliente dele que será utilizado para uma solução para o cliente do nosso cliente. Esse, sim, irá prosperar.
Roccato: você quer dizer que o valor está realmente na ponta (do cliente final), correto?
Laércio: sim. O valor, de fato, está lá. Então, isso muda bastante. Quero dizer então que a transformação digital num canal de distribuição da indústria de software, hoje, é exatamente essa geração de valor no “C", no B2B2C, no consumidor.
Roccato: no caso do histórico de vocês, como uma empresa de software, o apelo de valor agregado sempre esteve em seu DNA, diferentemente de empresas de tecnologia que vendem hardware, estou correto? Mas, ao mesmo tempo, nós temos percebido uma dificuldade dos canais indiretos nesse discurso, como você comentou, de focar na dor do cliente do cliente, típico do modelo B2B2C. Agora, quando você fala de verticalização, ela aconteceu, de fato, como você comentou, no portfólio e ela tem buscado chegar até o canal. Ao seu ver, você já conhece alguns canais que navegam melhor em agrobusiness, por exemplo, e vendem melhor uma solução verticalizada do portfólio da TOTVS?
Laércio: no início, nós tínhamos uma franquia TOTVS, que era uma franquia genérica, vendia para todos os perfis de clientes. Hoje em dia, cada um dos dez segmentos (verticais), possui equipes de desenvolvimento, de planejamento, de pesquisa de mercado e entrega de venda, totalmente independentes. Então, os nossos canais também fizeram escolhas. Quer dizer, aquele que era o genérico, que basicamente focava na oferta de software para contabilidade, folha, ativo, compra, ou seja, o básico, teve que se especializar. O que realmente gera valor é você conhecer cada um dos nosso clientes, cada um dos seus segmentos. Como canal, você tem que ajudar os clientes a se tornarem cada vez mais competitivos em seus segmentos. Os nossos canais já fizeram as escolhas e a gente vêm fortalecendo muito cada um dentro do seu conhecimento. Quando você fala de software ou de hardware, todos estão sofrendo uma evolução na forma que utilizam a tecnologia, pois você fala que não existe mais um hardware, mas sim um device conectado.
Roccato: você quer dizer que temos que enxergar a oportunidade de venda não mais em hardware ou software, ou seja, não mais no produto mas na solução, nos benefícios que o que vendemos proporcionará a nossos clientes e aos clientes de nossos clientes?
Laércio: por exemplo, quando você fala "impressora fiscal” nos dias de hoje, você tem que considerar que é uma impressora conectada. Então, você consegue extrair uma série de coisas dessa impressora, seja pela busca de informações de diversos device s naquela impressora, como também emitindo coisas a serem transmitidas por uma rede de Wi-Fi e assim por diante. Então, quando nós adquirimos a Bematech, não foi simplesmente pra vender hardware, e, sim, pra gente ter mais um conhecimento que a gente entende que é importante na solução digital, como por exemplo, que você também sensores, concentradores, HUBs, que geram dados, que trafegam na rede, que possibilite o tráfego de informações para que alimente os seus sistemas. Um exemplo disso é o próprio Bemacash que nós lançamos. O quê que é Bemacash? Para quem não conhece é um sistema de solução para o micro-varejo, que resolve os problemas de um varejista de alimentação, por exemplo, ou ainda para o segmento de vestuário, etc. Pela solução Bemacash, onde você tinha uma uma caixa registradora, agora você tem um tablet, um software, uma impressora, um scanner e um equipamento de leitura de cartão de crédito. Sob a perspectiva do software, totalmente em nuvem. Sob a ótica de nosso cliente, o conjunto representa uma solução pra ele. Ele opera realmente o food truck dele, opera a loja dele e assim por diante. Sob o nosso ponto de vista, aquilo é um IoT (Internet of Things - Internet das Coisas), ou seja, é um device conectado em algum lugar que está gerando informações. Que aí vem para nosso último lançamento, que é a Carol.
Roccato: aqui chegamos às soluções de inteligência artificial e analytics da TOTVS…
Laércio: sim. Carol é a nossa solução de inteligência artificial, de dados, gestão de dados e assim por diante. E, com isso, a gente consegue capturar as coisas no momento em que estão acontecendo e devolvendo para os próprios clientes da TOTVS o benefício dessas informações de forma consolidada.
Roccato: você quer dizer inteligência de negócios?
Laércio: justamente. Então, quer dizer, quando você olha, hoje, a indústria de hardware é mais do que simplesmente dizer “eu tenho uma impressora”, ou ainda, "eu tenho um quiosque de atendimento”. Não, você tem outro dispositivo conectado que vai ter uma função relevante na geração de valor em uma determinada situação para o cliente da TOTVS.
Roccato: neste cenário, voltando ao ponto do canal indireto de vendas da TOTVS, especialmente no caso do legado de canais da Bematech, com canais típicos de AC (automação comercial) que vendiam a obrigatoriedade fiscal e não soluções para melhorias dos resultados dos varejistas, como que eles têm respondido à essa nova proposta de valor? Considerando o cenário da obrigatoriedade que mudou nos últimos anos, onde agora é necessário entende o negócio do cliente e dizer que ele não precisa comprar a impressora pela obrigatoriedade, mas sim pelos benefícios que a solução toda irá possibilitar em termos de melhorias na gestão do negócio dele. Como é que você tem visto esse movimento, a resposta do canal neste novo cenário?
Laércio: é uma evolução constante. Quer dizer, ainda, o mercado não está respondendo 100% da maneira que a gente gostaria. Porque, na realidade, aquele distribuidor que vendia exclusivamente hardware tem que aprender – alguns já até aprenderam – que ele é um prestador de serviço. Na realidade, aquele hardware é um componente pra ele prestar um serviço pra um determinado cliente. Então, não é pura e simplesmente você ir lá vender uma impressora pra ele emitir um relatório. Você vai lá com o propósito que aquela impressora vai permitir que ele atenda melhor o cliente dele, que aquele relatório, que aquela impressora permita que faça uma conexão diretamente com a Secretaria da Fazenda e assim sucessivamente. Então, o que a gente está transformando – isso você vê nos representantes que vendiam hardware e agora estão vendendo solução – é que ele vai, apresenta o Bemacash e ele faz a complementação. Então, ele deixou de ser aquele cara que vai lá e diz assim: “ah, você precisa de uma impressora? Está aqui. A minha custa R$1.350,00. A outra custa R$1.450,00”. Ele vai lá e diz assim: “Qual o propósito? O quê que você precisa? Para isso aqui, eu tenho isso”. E, geralmente, ele terá que ter uma camada de configuração, de instalação e assim por diante. Neste caso o nosso distribuidor que vende hardware hoje, ele tem que entender de restaurante, ele tem que entender de uma loja de moda, porque ele vai ajuda o cliente como "codifica", como é que faz, como é que ele pode gerir e assim por diante.
Roccato: ótimo. Pela vasta experiência que você tem, eu gostaria de atentar para dois outros pontos que eu acredito que o processo colaborativo de compartilhar seu conhecimento venha a ser relevante para nosso público. A primeira se refere a sua transformação de uma empresa em uma multinacional ,com presença em 41 países. Como foi essa experiência e o comparativo desse movimento de globalização da TOTVS?
Laércio: quando a TOTVS foi criada, lá atrás em 1983, naquele momento não existia nenhum líder de mercado. Existia, exatamente, uma ideia de uma nova tecnologia que estava se despontando. Então, pra nós, foi uma tremenda oportunidade e aí nós criamos a TOTVS. Quando analisamos sob a ótica da transformação digital, você não tem claro um líder definido para o fornecimento de software aplicativo, em escala global, na modalidade as a service (como serviço). Agora tem uma outra oportunidade, então, quando a gente olha tudo o que está acontecendo e vemos o momento de várias novas startups nascendo, fazendo apps (aplicativos), fazendo tudo, enxergamos tudo isso como uma nova oportunidade, para quem, lá atrás, teve uma ideia, criou, cresceu, consolidou mercado e se tornou uma empresa global, que possibilitará se reinventar e aí eu digo que nós estamos numa jornada digital. Então nós fomos para o mercado com nosso plano de 4 anos. O que foi planejado para teve o objetivo de possibilitar que realmente aproveitássemos todas as oportunidades que há nesse novo momento do mercado global. Nós dividimos essa jornada de transformação digital em três grandes pilares: cultura e ambiente, processos e atendimento, oferta e portfólio. Temos incentivado muitos dos nossos clientes a seguirem exatamente o que nós fizemos. Quer dizer, não adianta você, pura e simplesmente, dizer“eu peguei – em caso de software – o valor da minha licença e dividi em 24, 36 ou 48 vezes e criei meu modelo de subscrição”. Não é isso. Você tem que embarcar as pessoas, os clientes e uma série de outras coisas. Na experiência da TOTVS, o primeiro a fazer foi entender “que cultura que a gente precisaria ter na companhia? Como nós vamos evoluir a nossa cultura para, de fato, viver o momento de subscrição?” e aí, nós fizemos todo um trabalho interno o que nos levou a entender o que deveríamos fazer.
Roccato: para fecharmos: o que esperar da TOTVS nos próximos anos?
Laércio: a gente sempre fala assim, que a TOTVS é uma eterna startup, e a gente tem que continuar dessa maneira. Vamos continuar sendo. Nós nos vemos cada vez mais fornecendo serviços e valor agregado para nossos clientes. E entrando agora com o lado cognitivo, com o lado das informações, a Carol com inteligência artificial e assim por diante, na consolidação de todas as informações que os nosso clientes geram com os nossos sistemas. Hoje nós estamos transformando todas as informações em previsibilidade para apoio a tomada de decisão. É exatamente toda essa transformação, esses passos que temos trabalhando para que a gente consiga continuar na liderança que nós temos. Com relação aos canais indiretos, esperamos que cada vez mais eles se segmentem, busquem esse conhecimento da indústria, de cada um dos nossos clientes e que, de fato, contribuam pra que eles se tornem mais competitivos.
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